O impacto da maconha na cognição e psicologia, segundo estudos

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A maconha é a droga mais consumida do mundo, e o uso tem crescido ainda mais – tanto para fins medicinais quanto recreativos. Mas como ela afeta o cérebro?

Três estudos recentes ampliaram o conhecimento científico sobre isso, indicando efeitos importantes sobre memória, aprendizado e
até nossos sentimentos. Eu sou Vítor Tavares, da BBC News Brasil,
e neste vídeo eu vou contar quais são novas descobertas da ciência sobre a cannabis.

Vou me basear em um artigo escrito por quatro pesquisadores de neurociência e neuropsicologia, publicado no site acadêmico The Conversation.

A gente publicou uma versão em português no nosso site, vou deixar o link aqui na descrição. O Relatório Mundial de Drogas da ONU estima que cerca de 200 milhões de pessoas entre 15 e 64 anos usaram maconha ao menos uma vez em 2019.

Isso não leva em conta o uso medicinal da droga. A maioria dos usuários eram adolescentes e jovens adultos, cujos cérebros ainda estão em desenvolvimento. Ou seja, é neles que a maconha pode ter mais impactos no longo prazo.

O mesmo relatório da ONU mostra que, ao menos na Europa e nos Estados Unidos, a maconha ficou mais potente. Mas cresceu entre os adolescentes de lá a  sensação de que a maconha não trazia muitos riscos.

Só que não é bem isso o que os pesquisadores de Cambridge e Fudan perceberam. O tetrahidrocanabiol, ou THC, é o principal
composto psicoativo da cannabis, e age sobre receptores muito presentes nas áreas pré-frontais e límbicas do cérebro, envolvidas na sensação de recompensa e de motivação.

Esses receptores regulam substâncias químicas importantes, como a dopamina, o ácido gama-aminobutírico, ou GABA, e o glutamato.

A dopamina é um neurotransmissor feito pelo cérebro que tem um papel em muitas funções do corpo, como a memória, o movimento, a motivação, o humor e a capacidade de atenção.

A dopamina também é parte do nosso sistema de recompensas – quando estamos fazendo algo prazeroso, o cérebro libera dopamina, que gera sensação de bem-estar. E como a maconha influencia isso? Em um dos estudos, os pesquisadores testaram a cognição de 39 pessoas com o chamado transtorno por uso de cannabis.

Esse transtorno afeta estimados 10% dos usuários de maconha e é caracterizado pelo desejo persistente de usar a droga e por interrupções constantes em atividades do dia a dia como trabalho e estudo.

Em comparação com um grupo de pessoas que nunca ou raramente usavam cannabis, as pessoas com o transtorno se saíram bem pior em testes de memória.

As funções executivas, ou seja, conjunto de habilidades que ajudam a gente no aprendizado e na regulação das nossas emoções, também foram afetadas negativamente entre quem usava a maconha com muita intensidade. E a idade também tem um peso: quanto mais jovens, mais as suas funções executivas eram prejudicadas pela droga.

Eles tendiam a tomar decisões mais arriscadas ou apresentavam mais dificuldade de planejamento. A maioria dos estudos foi realizada com homens, mas os pesquisadores dizem que já se sabe que alguns efeitos são diferentes nas mulheres.

Enquanto a memória dos usuários do sexo masculino era mais fraca para reconhecer visualmente as coisas, as mulheres apresentavam mais problemas relacionados à atenção e a funções executivas. Até aqui, falamos dos efeitos sobre o que os cientistas chamam de cognição.

Mas foram observados também efeitos importantes sobre os sentimentos dos usuários de maconha. O motivo tem a ver justamente com os sistemas de recompensa e motivação do cérebro que eu mencionei no começo.

Ao inibir essas ações cerebrais, a cannabis pode atrapalhar o desempenho na escola ou no trabalho, uma vez que pode nos fazer sentir menos motivados a nos esforçarmos.

E também atrapalha no sentimento de recompensa ​​quando temos êxito em uma tarefa. Os pesquisadores observaram efeitos apenas
sutis disso em usuários moderados de maconha, mas supõem que os impactos sejam mais fortes em pessoas que fazem uso intenso e crônico da droga.

Por fim, os cientistas citam evidências de que a cannabis pode levar a problemas de saúde mental. Ela está relacionada, em adolescentes, a mais apatia e à “anedonia”, que é a incapacidade de sentir prazer. Esse efeito foi particularmente visto em jovens
já vulneráveis a problemas de saúde mental e que passaram por um período difícil durante os lockdowns da pandemia de covid, segundo uma das pesquisas.

O uso de maconha durante a adolescência também foi apontado como um fator de risco para o desenvolvimento de experiências psicóticas e de esquizofrenia. Um estudo mostrou que o uso de cannabis aumenta moderadamente o risco de sintomas psicóticos em jovens, mas tem um efeito muito mais forte naqueles com predisposição para a psicose.

Os pesquisadores ainda não sabem por que a cannabis está ligada a episódios psicóticos. O efeito da droga sobre a dopamina e o glutamato é uma possível explicação.

Outro estudo com 780 adolescentes sugeriu que a associação entre o uso de cannabis e experiências psicóticas talvez se deva
ao efeito da maconha em uma região do cérebro chamada “uncus”. O uncus fica dentro do para-hipocampo, uma parte do cerébro envolvida na memória, e no bulbo olfatório, que está envolvido no
processamento de cheiros. E possui uma grande quantidade de receptores  canabinoides.

Ele também já foi associado com esquizofrenia e experiências psicóticas. Vale lembrar que a maconha tem crescido como uma ferramenta médica. Pelo mundo e também no Brasil, milhares de pacientes já usam a cannabis para tratar problemas como convulsões e dores crônicas.

Mas os pesquisadores das universidades de Cambridge e Fudan se dizem preocupados com o efeito que o consumo prolongado e indiscriminado da droga tem principalmente sobre cérebros ainda em desenvolvimento, como os de adolescentes. Esse efeito cognitivo e psicológico provavelmente depende em grande parte da dosagem e da frequência do uso, mas também de características individuais – como o gênero e vulnerabilidades genéticas de cada pessoa.

Também é preciso pesquisar mais para saber se esses efeitos negativos são temporários ou permanentes. É importante mencionar que uma revisão de estudos indica que, no caso de uso leve de cannabis, os impactos negativos parecem diminuir depois de períodos de abstinência. 

Poderá ver o vídeo no youtube Aqui

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